30 de ago. de 2010

Ao Leitor


A tolice, o pecado, o logro, a mesquinhez
Habitam nosso espírito e o corpo viciam,
E adoráveis remorsos sempre nos saciam,
Como o mendigo exibe a sua sordidez.

Fiéis ao pecado, a contrição nos amordaça;
Impomos alto preço à infâmia confessada,
E alegres retornamos à lodosa estrada,
Na ilusão de que o pranto as nódoas nos desfaça.

Na almofada do mal é Satã Trimegisto
Quem docemente nosso espírito consola,
E o metal puro da vontade então se evola
Por obra deste sábio que age sem ser visto.

É o Diabo que nos move e até nos manuseia!
Em tudo o que repugna uma jóia encontramos;
Dia após dia, para o Inferno caminhamos,
Sem medo algum, dentro da treva que nauseia.

Assim como um voraz devasso beija e suga
O seio murcho que lhe oferta uma vadia,
Furtamos ao acaso uma carícia esguia
Para espremê-la qual laranja que se enruga.

Espesso, a fervilhar, qual um milhão de helmintos,
Em nosso crânio um povo de demônios cresce,
E, ao respirarmos, aos pulmões a morte desce,
Rio invisível, com lamentos indistintos.

Se o veneno, a paixão, o estupro, a punhalada
Não bordaram ainda com desenhos finos
A trama vã de nossos míseros destinos,
É que nossa alma arriscou pouco ou quase nada.

Em meio às hienas, às serpentes, aos chacais,
Aos símios, escorpiões, abutres e panteras,
Aos monstros ululantes e às viscosas feras,
No lodaçal de nossos vícios imortais,

Um há mais feios, mais iníquo, mais imundo!
Sem grandes gestos ou sequer lançar um grito,
Da Terra, por prazer, faria um só detrito
E num bocejo imenso engoliria o mundo;

É o Tédio! - O olhar esquivo à mínima emoção,
Com patíbulos sonha, ao cachimbo agarrado.
Tu conheces, leitor, o monstro delicado
- Hipócrita leitor, meu igual, meu irmão!


(BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal. Trad. Ivan Junqueira. Rio de Janeiro. ed. Record, 1985)

(Aquarela "Les fleurs du mal", de Marilyn Mason)

.

29 de ago. de 2010

Hoje direi mentiras!


A verdade não foi a melhor opção. Estamos acostumados a exaltar a sinceridade, a honestidade como atributos positivos em um Homem íntegro, principalmente quando o assunto tratado não for a gente. Do contrário, meu amigo, a coisa muda: O ego não suporta, a vaidade não aceita, pois é preferível um elogio a uma crítica, um “sim” a um “não” – uma mentira. Até porque, imagino o quanto sofre você que diz “está feio”, quando sua mulher te pergunta sobre o cabelo dela (e q você realmente achou estar feio); ai de você q opina negativamente sobre um vestido dela (brega pra caramba); q não aceita comer todos os bolinhos ruins q sua avó faz e passou a vida toda acreditando q você os adora; q não compartilha, silenciosamente, com sua família, algo em q só você não acredita.

Já sei: vamos trocar o adjetivo honesto por omisso, aí sim ganhar mais respeito, manter algumas amizades e amores, não é não?

Não sei.

Se desde o início fossemos sinceros uns com os outros em nossas relações interpessoais, talvez não seriam necessárias aquelas máscaras cotidianas. Se lá, bem no comecinho, o primeiro mentirosos tivesse pensado bem, antes de cometer seu pecado capital, e seu interlocutor não houvesse se sentido feliz com a burla, fazendo com q esse ato se repetisse como um processo contínuo q acabou formando-se cultura, é possível q não precisássemos mentir, assim como é possível q teríamos aprendido a encarar a opinião alheia como válida, independente de ela exaltar ou depreciar nós mesmos: saberíamos q a mentira é um vicio maléfico.

Mas não.

Em tempos nos quais nosso individualismo impõe uma falsa liberdade de opiniões, em q escutamos o outro (q devido à liberdade pode dizer “quase” tudo que quiser) e dizemos respeitar o posicionamento deste outro, mas no final das contas o q prevalece é nossa própria opinião (afinal, 'eu também sou livre pra pensar o q quiser'), o gosto amargo mora na verdade.

Assim, pra mantermos a inter-relação, é mais fácil corroborar a opinião de outrem sobre si mesmo (quando esse for o assunto) q enfrentá-la: você poupa o outro de (mais) uma discórdia e o faz se sentir aceito. Como há tantas outras forças q nos fazem sentir exclusos, sobretudo as de ordem sócio-econômica, estar pertencente a (e em) quaisquer outras esferas é um alívio. Desse modo, aquilo que seria um discurso hipócrita – dizer uma coisa, pensando outra – perde sua negatividade e passa a funcionar como o catalizador da “boa convivência”, um antídoto contra a exclusa realidade. Se a verdade incomoda, meus caros, a mentira acomoda.


O real não é suficiente, ainda precisamos ser enganados.

E isso é verdade.

23 de ago. de 2010

Ontem, eu e Li fomos ao Tuca ver a peça “Ensina-me a viver”, q tem no elenco, dentre outros, Glória “Coringa” Menezes.

Bem, a sinopse vocês podem conferir no link acima. Falarei um pouco sobre minha recepção da peça – deixando claro q não sou nenhum teatrólogo:

A peça é legalzinha, fala sobre Vida e Liberdade, mas por meio de diálogos fáceis sem profundidade filosófica nenhuma. Beira à auto-ajuda e é repleta de discursos como: a morte faz parte da vida; e ser velho não tem nada a ver com a idade, está no coração – q, embora sejam “verdades”, já são lugares-comum, clichês – fatos q pra mim já depreciam qualquer arte – O q põe em dúvida a qualidade de um dos textos: o original de Collin Higgins, a tradução de Millôr ou o da adaptação.

No entanto, a interpretação da Glória em vários momentos é excelente: fez o público rir, ficar sério, e até desafiou o senso comum daqueles expectadores mais “quadrados”. Ela soube mostrar q tem talento mesmo – inegável, sobretudo contracenando com Arlindo Lopes (Harold), q mandou bem e incorporou sua personagem. Igual feito foi conseguido por Fernanda de Freitas. (embora em algumas partes ambas as atuações tenham ficado superficiais).

Já Stella Maria Rodrigues, q encenou a mãe de Harold, forçou um pouco, tanto na representação da personagem como nas falas, q a meu ver, não conseguiram esconder o fato de q eram decoradas – ou seja, ficou um pouco artificial, principalmente pela aparente “pressa” q ela teve em pronunciar cada uma das frases. Mas também tem seus méritos, pois houve instantes ilários q garantiram os risos da plateia.

No conjunto, é uma peça bem montada, em q a participação e agilidade dos atores e assistentes de palco garantem o bom encadeamento. O uso de recursos audiovisuais enriqueceram o espetáculo, mas com certeza, é sua história “bonitinha” aos olhos mais sensíveis e menos analíticos q garantirão o sucesso de Ensina-me a Viver.
 
Para um fim de Domingo, valeu...
 

22 de ago. de 2010

*Holden Caulfield no séc. XXI


O som do jazz ecoava nos ouvidos da noite. Eu improvisava alguma sintonia. Peguei uns dois, três vales-cerveja e andava em círculos atrás de alguma conversa. O sax fazia solo. Ainda deu tempo de ganhar um abraço antes de perceber o quão ridículas são as pessoas quando estão longe das quatro paredes de seus quartos.

Ficaram contando História – o q fizeram no verão passado, na chuva passada, no sítio passado. Na vida transpassada. O sorriso no rosto dela a todo momento,e por um instante recordei as máscaras q simbolizam a sexta arte.
Eu, meu silêncio observador, querendo ouvir a porra do solo do sax no jazz q se apagava perante os discursos - sempre mais altos em relação à música – q nunca admitiam uma falha naquelas histórias extraordinárias. Os amigos dela ainda esboçaram uma gentileza comigo. Outro deles, segurando uma cerveja quente nas mãos, preferiu brincadeirinhas estúpidas e piadas baratas a outros assuntos. Na verdade, acho q ele gostaria de ser o assunto. Mas não foi.

Paralelamente, ela ainda dizia querer voltar a vida antiga, menos correta e careta. Fixava seus olhos já trôpegos no nada e arriscava alguma felicidade. Pseudo.

Não duvido q naquela madrugada não tenha restado nada nela, além da postura pudica dentro das roupas de grife e o discurso hipócrita que nomeava seres e fazeres (como havíamos aprendido na faculdade, a linguagem cria).

Fomos embora. Em boa hora.

Eles com os cus cheios de Itaipava, abraçados com um sorriso cariado no rosto e cantando We are the Champions; e eu com vontade de largar a merda do jazz e ouvir Helter Skelter a todo volume – cada qual para seu quarto: o único lugar em q as cortinas de fato encerram uma encenação.
 
 
 
 
*Personagem de "O apanhador no campo de centeio",de J.D Sallinger. Minha apropriação ilegal dela...

21 de ago. de 2010

Um dia de cada vez

Se ainda há algo q prezo a todo custo é a Liberdade. Procuro-a nos atos mais estranhos; em algumas relações marginalizadas; nos livros mais gastos; nas opiniões mais controversas; na janela de casa e na porta para a rua; nas amizades...


É algo do qual ainda não consegui me desvencilhar, a ponto de exprimir um certo egocentrismo – q, cabe frisar, é diferente de egoísmo – e, obviamente, influenciar a vida de quem está na órbita desse centro. De fato, isso acontece:

Quero fazer minhas coisas, viver minha vida, concluir meus planos, às vezes não fazer planos e apenas aproveitar os dias e o imprevisto sem dever muitas satisfações nem me sentir em um livro de Orwell.
E essas coisas nunca estão de acordo com a ideia de compromisso, e é ainda mais divergente quando consideramos as convenções burguesas a respeito daquilo q devemos ser-estar, ter, sonhar, fazer e etecê!

Ninguém, por ex.:, vai acreditar naquela "solterona" q disse estar assim por opção. É mais fácil taxá-la de "titia", de tímida, mal amada, quando não "sapata" - desculpem o termo, mas é assim mesmo q acontece por aí. Obviamente, o mesmo aconteceria a um homem, só trocaríamos o gênero dos adjetivos...

Mas, afinal, por q é tão difícil aceitar uma diferença; uma postura fora do trivial; a felicidade alheia?
Aliás, por q é difícil não cuidar da vida alheia?

A Li e eu conversamos bastante sobre isso. Ela tem sonhos baseados em um estilo de vida social padrão: família, filhos, uma casinha amarela...E eu sem sequer pensar nessas coisas neste momento. Não escondemos um do outro essas visões, e embora saibamos q temos de repensar um relacionamento em q as pretensões não casam (termo ambíguo...valem os dois...rs), continuamos a viver o agora, compartilhar o agora - cada um de nós reaprendendo a respeitar o espaço do outro, fato q, não vamos negar, é difícil.
Mas por q não?

Ela, em uma dessas conversas pós-crise namorística, depois de eu ter exposto a minha atual não-ansiedade em ...em...palavra difícil...rs...mas vá lá...em casar (falei!), e q seria melhor nos afastarmos e cada um seguir seus sonhos, disse a coisa mais bela q ouvi nesse 2 anos juntos:
 - Nesse momento, é mais importante pra mim estar com você do q outra coisa futura.
Foi lindo.
Isso não significou q ela se submeteu à minha postura, ou eu fui egoísta a ponto de não pensar na dela. O fato é q compreendemos: cada um tem seus princípios e limites. Q compartilhar o presente, através do respeito e da confiança é o essencial.

Embora eu saiba q ela ainda manifesta aquela vontade, e ela também saiba q eu continuo com as minhas convicções, também entendemos q essa não uma questão tão simples em q basta um de nós dizer sim e tudo estará resolvido.

Embora não saibamos o q isso vai virar no futuro, ficamos juntos, confiando, principalmente, no amor do outro. Respeitando o valor e valores do outro.Vivendo um dia de cada vez em 2010, e não em 1984.

16 de ago. de 2010

Incolor, inodora, insípida

Essa imagem no espelho da chuva
           ondula e balança outra
                       potencialmente tua.

Tal qual água limpa e nua,
cuja cor a radiação rouba,
esta face úmida
        pouco a pouco se escoa

                                                     e brinca,
                   entre uma piscada e outra,
propondo o jogo dos vários erros.

No ponto cego da absorção percebemos

: a imagem de si mesma destoa.
 

12 de ago. de 2010

Lançamento do livro "Luminosidades", de Cláudio Laureatti

Na Casa Mário de Andrade

Dia 13 de Agosto / Sexta das 19h30 às 21h30

Casa Mário de Andrade ( Rua Lopes Chaves, 546 - Barra Funda / Próximo ao metrô Marechal Deodoro )

"Estranhar nosso cotidiano. Reabilitação de passados perdidos e das iniciativas inspiradas em ações reais e liberações sonhadas. Afastamento da violência e da insanidade pelo compartilhamento da palavra. Reinventar o poder. O fazer poético e suas notações sociais.Rechaço de inferioridades e da falta de posses. É uma contravenção ao sistema do outro, um não pertencimento às representações midiárticas, desconstrução das idéias e dos discursos hegemônicos de novelas, jogos de futebol, vida-shopping. Poesia, pois é, poesia. E o centro da cultura está em toda parte. Periferia no centro do conhecimento."


Claudio Laureatti

Sarau da Casa

Meus caros, um belo convite. Eu vou, e vc?

Sarau aberto à participação do público, que terá a oportunidade de apresentar seus poemas. A cada encontro, o Sarau da Casa recebe dois poetas contemporâneos, que são entrevistados pelos apresentadores do evento e fazem leitura de seus poemas. O objetivo é valorizar a multiplicidade e a pluralidade da poesia que está sendo produzida hoje.

As inscrições para a leitura de poemas são feitas na recepção da Casa das Rosas, uma hora antes do Sarau. Participe!

Sábado, 14 de agosto, 20h.

Convidados: Antonio Cicero e Luiz Alberto Mendes Júnior.
Música: Memórias de um Caramujo.
 
Antonio Cicero é poeta, compositor, ensaísta e autor dos livros: Guardar (1996) e A cidade e os livros (2002), entre outros.
Luiz Alberto Mendes Júnior é colunista da Revista Trip e ministra oficinas de leituras e textos. É autor de Memórias de um sobrevivente (2001) e Às cegas (2006).
Memórias de um Caramujo: com repertório autoral, o grupo mescla influências em arranjos cheios de poesia e humor.


Serviço
SARAU DA CASA
Sábado, 14 de agosto, 20h.
Casa das Rosas – Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura
Av. Paulista, 37
Convênio com o estacionamento Patropi: Al. Santos, 74
Próximo à Estação Brigadeiro do Metrô
Tel.: (11) 3285-6986

Entrada franca

9 de ago. de 2010

O Fantasticon 2010


Fantasticon 2010 – IV Simpósio de Literatura Fantástica reune pessoas interessadas em Literatura Fantástica (ficção científica, fantasia e horror) para que elas possam se encontrar, debater idéias, trocar informações, levantar tendências e se divertir.


A proposta é incentivar o debate e enriquecer o estudo sobre o Fantástico no Brasil. Para isso, contaremos com palestras, mesas-redondas, oficinas, mostra de filmes, exposições, lançamentos, sessões de autógrafos e muita confraternização!

O Fantasticon 2010 é organizado por Silvio Alexandre, em uma realização da Biblioteca Pública Viriato Corrêa, do Sistema Municipal de Bibliotecas e da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. Com o apoio da Fly Cow Produções Culturais, revista Movie, Cálamo Editorial, GELF (Grupo de Estudos de Literatura Fantástica), Moonshadows Livraria, Universidade Anhembi Morumbi e da TV Cronópios.

8 de ago. de 2010

Dia dos Pais...

O salário foi baixo
.
...........a felicidade ínfima
.
a mãe e o pai em cada ponta
.
...........os filhos no meio de tudo.
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Só garfos e facas por todo lado
.
..............................................sobre a mesa"

.
.
.
.
.
.

É esse um Dia dos Pais no país que adia há dias, diante da gente, novos dias.
Adianto pra vcs: a gentileza é tardia.

6 de ago. de 2010

Mundo Compartilhado


           Minha vida é sua. Sua privacidade é minha – com o borbulhar das redes sociais, o “universo particular” se reduz a uma viela individual a que só temos acesso pela porta do quarto. Saber o que o outro fez, faz e fará é fato comum com o qual nos deparamos diariamente, acostumados à exposição que cremos instigar a interação com a “audiência”. Por quê? Difícil explicar e entender. O fato é que existe uma necessidade comum a quem se presta a essa atitude: dividir. Ler e se fazer ler desperta a sensação de que estamos dialogando com alguém – ainda que fisicamente distantes – e assim, somos vistos, notados, percebidos por outro: damos concretude ao ato de ser.
            Longe de parecer exagero, pode-se entender que há implícita (ou não) nessas “redes”, uma carência, digamos, existencial, na medida em que atribuímos (a razão de) nossa existência ao reconhecimento dos nossos pares. Se não isso, o que? Entretenimento? - não creio. O que explicaria, por exemplo, a postagem de um famoso verso, com cuja ideia ali expressa concordamos, se não mostrar nossas ansiedades, convicções, sensações e até mesmo fragilidades? É justamente a exposição dessas características que me faz acreditar na carência supramencionada.
           Clarice Lispector dizia que “amar é dividir com o outro aquilo que a gente não tem” (frase que aliás já postei no meu profile em outrora), e talvez por uma relação de amor – ou quem sabe ódio – à vida, tentamos amenizar certos impactos por meio da partilha.
           Condenados a ser livres – como disse Sartre – procuramos pela alteridade nos construir como sujeitos. Sujeitos imersos em uma solidão compartilhada.

4 de ago. de 2010

O s**o

O sono é um fenômeno bem interessante. Algo no corpo nos impede a atenção, o equilíbrio, a lucidez e nos faz querer um colchão bem macio. Uma cama. Ou qualquer outro lugar, porque nessa hora a escolha do local pouco importa.
Sei não. Mas a sensação do sono me lembra outra...sabe...
Contudo, a preguiça agora grita...hahaha....agora é hora de dormir mesmo!
Boa noite!

poética

 Alguma palavra,
este cavalo que me vestia com um cetro,
algum vômito tardio modela o verso.

Certa forma se conhece nas infinitas,
a fauna guerreira, a lua fria
encrustada na fria atenção.

Onde era nuvem
sabemos a geometria da alma, a vontade
consumida em pó e devaneio.

E recuamos sempre, petrificados,
com a metafísica
nos dentes: o feto
fixado
entre a náusea e o lençol.


Meu poema me contempla horrorizado.



(Cacaso, In “Beijo na Boca”, 2002)

3 de ago. de 2010

Na expectativa

ansiedade: Edward Munch

A ansiedade é um passeio pela morte. Sim. Percurso híbrido de felicidade e angústia que terminará como apenas uma dessas partes. Ficamos com as unhas mal cortadas, os dentes mais afiados, as solas dos tênis mais gastas, assim como as calorias perdidas no andar lá e cá. É nesse intervalo que surgem as hipóteses, os arrependimentos e, principalmente, a constatação do vascilo. - Abraço, meu amigo, já foi! - Aí então, o ateu reza, o pessimista pondera e o realista...espera.
Sabe que qualquer outra reação não vai ajudar nem modificar coisa alguma; que agora é tocar o barco e se preparar pra fugir do naufrágio. Porque sabe que o fluxo do rio não para. E que ansiedade pelo tudo e um passeio pelo nada.

As notas 10

- Como foram suas férias? - Me perguntaram.

- Bem. Deu pra descansar, ganhar uns quilos, viajar e continuar trabalhando. E você(s)?

- Não fiz nada de mais. Só trabalhei pra caramba e agora estamos aqui.



Pois é, as aulas tornaram a fazer parte da minha rotina e junto com elas a sensação de necessitar me formar logo. Com efeito, o quinto ano pressiona bastante nesse sentido. Nove semestres passados, já sinto meu não-pertencimento àquela faculdade. Pelos corredores há gente nova – não conheço mais ninguém. Não existe o pique de início do curso e nem ganhei uma caixa de lápis de cor novinha com 48 cores pra exibir a meus colegas.

Procuro amenizar os sintomas ao lembrar que consegui as matérias que queria desde o início (mas que foram sufocadas pela grade obrigatória), tento esquecer a crise curricular do curso, a infra-estrutura “alternativa” do prédio e a picaretagem de alguns professores.

Me concentro no reencontro com algumas pessoas que, assim como eu, estão lá há dezenas de anos. Nós todos idosos, doentes e perto da aposentadoria em meio ao gás e euforia das turmas recentes que sequer imaginam que um dia chegarão aqui também.

Começamos a conversar e redigir verbalmente o clichê " As Minhas férias”, e por alguma razão, minha atenção fica ali e o trivial soa inédito. Por mais que o assunto não pareça interessante, não interessa! - Aquelas pessoas o são, e isso pra mim é o suficiente. São pessoas que valem a pena, dessas que a gente, depois de carregar por um bom tempo na mochila, insiste em guardar.

2 de ago. de 2010

Cá estamos

Sempre tive o costume de guardar coisas: colecionei embalagens de cigarros, latas de cerveja, réplicas de dinheiro estrangeiro, bolinha de gude...dentre outras coleções. Explicar o porquê dessa mania - guardar - nunca soube. Recordar, talvez. A nostalgia é parte de nossa existência, e sempre - sempre mesmo - o mais antigo será melhor que o atual (o que não necessariamente é verdade). O caso é que, em determinada época, desfiz-me das minhas coleções. Porque não queria mais, ou porque ocupava espaço, ou ainda pra economizar trabalho nas mil e uma mudanças de residência pelas quais já passei. Cada perda com seu motivo. Mas acho que o principal deles é que a coisa ia ficando velha, obsoleta e não fazia mais sentido me prender àquilo. O cheiro do pó já incomodava um pouco. Os cupins, as traças...chega!!! Era preciso desocupar o relicário para a chegada do novo. Assim, as embalagens de cigarro cederam vaga às latas de cerveja; estas, por sua vez, se mudaram para a entrada das "notas de dinheirinho" - que logo viraram bolinhas, figurinhas e afins.


Agora, em 2010, já não tenho nenhuma delas. Contudo, tenho colecionado livros, textos, palavras - como aquelas do outro blog:
Envelheceram com ciúmes das novatas que poderiam chegar até lá.

Mas as velhinhas não me deixaram mostrar o novo. Me prenderam neste asilo e a partir de então não consegui trazer nenhuma moradora nova. Resolvi fugir!!!! para um outro lugar. Respirar aqui. Me sentir como um pirralho que tem vontade de fazer a lição de casa porque ganhou material novo.

Rua do Corpo, nº 01

Não vim com caminhão. Não trouxe a mochila com os trapos fruto de fuga. Cadê o travesseiro, os cobertores? Esqueci-me, aliás, de fazer o enxoval. Não trouxe nada da morada passada.
Estou só. com a vontade de construir uma nova casa.

Sejam bem-vindos!