26 de nov. de 2010

Dois: ah...humm




ela
deli
ciosa

ele
dela
cioso


ela
nua
boa

ele
nu
bem bom


(FALEIROS, Álvaro. in Meio Mundo, São Paulo: Ateliê Eitorial, 2007)
.
.

21 de nov. de 2010

P.A do invisível


Pela rua, passa a roupa.
Passa a moça, passa o ruge.
Passa o terno e a gravata.
Passa gato, passa cão.
Passa puta ignorada.
Passa a mãe, passa o pai. Passa o pão na mão da mãe.
Passa toda a meninada.
O poder passa.
Passa chefe e a patroa
O olho alheio (quando passa).
Passa mesmo. Até o nada.
O gari, coitado, para.

Conta:
(1; 2; 3;...n; n+1;
nenhum)

...[...]...

Um olá não passa.
Um sorriso não passa.
Um bom dia não passa.

O gari passa o dia

varrendo o feno
na cidade fantasma.

(in Colírio)
.
.

13 de nov. de 2010

O canto da ilha reconhecida


Aqui, neste quase,
habitado por um meio/corpo
(enquanto o inteiro é metade)
o pouso, o desembarque
são poucos.

E os que vêm a repouso
nem chegam a ficar.
Ficam à esquerda, com seus tapa-olhos
a piratear um gesto
pra cá e pra              lá.

Afirmam o desequilíbrio
desta ponte entre mim,
sem saber que partem

deste porto

para o mesmo não-lugar

emerso em parte alguma
imerso em uma lacuna

                                               insular.


(Israel, in Colírio - livro inédito)

11 de nov. de 2010

Claudia Roquette-Pinto

Claudia Roquette-Pinto

Sítio

O morro está pegando fogo.
O ar incômodo, grosso,
faz do menor movimento um esforço,
como andar sob outra atmosfera,
entre panos úmidos, mudos,
num caldo sujo de claras em neve.
Os carros, no viaduto,
engatam sua centopéia:
olhos acesos, suor de diesel,
ruído motor, desespero surdo.
O sol devia estar se pondo, agora
_ mas como confirmar sua trajetória
debaixo desta cúpula de pó,
este céu invertido?
Olhar o mar não traz nenhum consolo
(se ele é um cachorro imenso, trêmulo,
vomitando uma espuma de bile,
e vem acabar de morrer na nossa porta).
Uma penugem antagonista
deitou nas folhas dos crisântemos
e vai escurecendo, dia a dia,
os olhos das margaridas,
o coração das rosas.
De madrugada,
muda na caixa refrigerada,
a carga de agulhas cai queimando
tímpanos, pálpebras:
O menino brincando na varanda.
Dizem que ele não percebeu.
De que outro modo poderia ainda
ter virado o rosto: - Pai!
acho que um bicho me mordeu! assim
que a bala varou sua cabeça?

ROQUETTE-PINTO, Claudia. Margem de Manobra. Rio de Janeiro: Editora Aeroplano, 2005.

1 de nov. de 2010

SONETO SIMÉTRICO II

Paulo Henriques Britto

Tão limitado, estar aqui e agora,
dentro de si, sem poder ir embora,

dentro de um espaço mínimo que mal
se consegue explorar, esse minúsculo
mpério sem território, Macau

sempre à mercê do latejar de um músculo.
Ame-o ou deixe-o? Sim: porém amar
por falta de opção (a outra é o asco).
Que além das suas bordas há um mar

infenso a toda nau exploratória,
imune mesmo ao mais ousado Vasco.
Porque nenhum descobridor na história

(e algum tentou?) jamais se desprendeu
do cais úmido e ínfimo do eu.
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